Quero ler algo!

Verbo em extinção


 
O tempo se tornou um bem tão escasso e valioso que não podemos mais esperar. Por nada! Onde já se viu esperar para pegar ônibus ou para pagar uma conta. Imagine! A paciência se esgota sem ao menos as pessoas tentarem esperar; pelo simples fato de ver uma fila a sua frente, o cidadão se cansa só de pensar que terá de esperar por sei lá quanto tempo.
O pessimismo entra em ação neste momento fazendo a pessoa prever que ficará por horas eternas na tal fila e que, ainda por cima, perderá compromissos marcados ou chegará atrasado a qualquer outro lugar que seja.
A escravidão que o tempo nos aplica é assim: vivemos em função dele, por ele, para ele e muitas vezes não nos deixamos perceber que ao longo de nossas vidas temos muitos momentos bem vividos, não percebemos também que temos muito tempo e que é o modo de viver da sociedade maluca em que fomos inseridos que nos obriga a agir desesperadamente de olho no relógio.
Entre muitos que já tentaram explicar esse tal tempo, ninguém conseguiu, até mesmo entre grandes filósofos intelectuais, nada concreto o bastante foi citado, afinal o tempo não é concreto, nem ao menos existe, não é palpável. Mas se não existe porque então somos controlados por ele? Ou estou enganada: se nós, humanos, criamos o tempo estamos, na verdade, fazendo o inverso e controlando ele? Afinal quando criamos temos poder sobre esta tal coisa.
Pensando que mesmo em um tempo sem relógio e sem o conhecimento do tempo, seja esse conhecimento qual for, o ser humano já observava o ciclo dia e noite, com o qual se deparava; o tempo então já existia, as pessoas já envelheciam, já tinham um passado, um presente e, provavelmente, até pensavam em um futuro, talvez em como conseguir comida para sobreviver no dia seguinte.
Enfim, para uma coisa existir ela precisa ser palpável? Pois se assim for, nem o amor, nem a esperança, nem qualquer outro sentimento existem efetivamente. Mas todas essas coisas que não temos como pegar ou ver fazem parte, de uma forma ou de outra, do nosso dia-a-dia, o tempo inclusive, está aqui e ali, ao nosso lado, dentro de nós. Ele nos envolve, limita e controla.
Não vejo e não pego o vento, mas sei que o ar pode e é movimentado e que o vento existe, pois eu sinto, da mesma forma que amo, que respeito e acredito em coisas que não vejo, ou que nunca vi. Prefiro não concluir, pois o essencial é ter questionamento, dúvida, curiosidade (também não palpáveis), mas se eu existo e posso sentir o tempo passar, mesmo que psicologicamente, pois ás vezes passa rápido, ás vezes quase para, tudo isso existe juntamente comigo. Sei que o tempo vai passar e que vou envelhecer, sei também que tenho um passado, que vivo num presente e desejo um futuro, além disso, que tosos esses tempos existem em um mesmo tempo.
Às vezes, quando estamos, por exemplo, numa fila como aquela do começo do texto para pagar aquela conta, podemos criá-lo e fazer do tempo, um tempo muito maior. Mas nada impede de que em outro momento podemos recriá-lo fazendo com que ele passe sem que a gente perceba, basta fazer algo prazeroso. Percebe?
Talvez pelo tempo ser psicológico as pessoas corram para alcançá-lo, querem aproveitar ao máximo essa coisa misteriosa, querem viver sem perdê-lo por um segundo se quer. Não se dão conta de que ainda tem muito tempo, que em um dia apenas podem fazer muita coisa e se desesperam achando que não vai dar tempo de estudar, não vai dar tempo de entregar aquele projeto, de juntar dinheiro, de chegar pontualmente.
Comparado a um animal que está desaparecendo por não ter seu habitat natural o verbo “esperar” está também em extinção. Se o problema era questionar se o tempo existe ou não, agora paremos pra pensar se este valioso verbo irá sobreviver, mesmo tendo que se adaptar a um ambiente totalmente diferente: uma sociedade que exige informação e deveres cumpridos cada vez em menos tempo.